Notas de uma mente inquieta

Adolescência

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Nesse mundo lotado de conteúdo é difícil surgir algo para surpreender. As séries focadas em virar impressoras de dinheiro têm focado cada vez mais em "comoditizar" as experiências e replicarem essa fórmula por 5-10-20 temporadas ou como diria Tyler Durden "Tudo é uma cópia de uma cópia de uma cópia".
Acho que por conta disto, tenho cada vez mais gostado de minisséries. História já pensada do começo ao fim, focando no essencial para que a mensagem seja passada com clareza e o público entretido na dose certa. Você não precisa investir um tempo que você sabe que está sendo enrolado pelos produtores só para faturar mais.

Nessa pegada veio Adolescência, uma minissérie de temática bem atual e executada de maneira primorosa. A narrativa explora a investigação de um assassinato onde o suspeito é um adolescente de 13 anos. Já de cara ela vai ti fisgar por que a série acontece, todos os 4 episódios, em um plano-sequência sob a perspectiva de diferentes personagens. Essa decisão técnica foi muito acertada! Primeiro que traz uma dinamicidade para a direção onde em um mesmo fôlego temos todos os acontecimentos do episódio sendo apresentados na sua cara. Segundo pois é uma metáfora visual muito bonita sobre a perspectiva das peças envolvidas em um crime hediondo como este. Isso tudo se potencializa com as atuações, que estão excelentes, acontecendo bem na frente dos nossos olhos.

Ao longo da narrativa temos contato com todo ecossistema onde aquele adolescente estava presente: escola, amigos, família, terapeuta, delegacia, cadeia, etc. O crime em si é apresentado de maneira muito suscinta, o que se justifica dentro dos diálogos pela brilhante visão da investigadora: nesses crimes é comum trazer todo o foco para a vítima, quando a atenção devia estar no agressor. E a série vai além. Ela não se chama "Adolescente", pois ela não foca apenas no pivete. Ela se chama Adolescência pois tenta imergir nesse mundo onde justamente por essa falta de atenção da sociedade foi co-optada por um bando de malucos vendendo as ideias das mais terríveis.

Tem um provérbio que eu repito constantemente desde que me tornei pai:

É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança

Esta obra expõe isso de maneira brilhante. Todas as partes envolvidas com a educação da criança mostram-se constrangidas com o acontecimento. Seja os professores, os amigos, vizinhos, policiais, psicóloga ou os pais. Eles tentam fugir da palavra culpa a todo custo. E no meu entendimento faz sentido, culpa não é a palavra adequada. Acho que a palavra certa deve ser responsabilidade. O pai, que foi a pessoa escolhida pelo Jamie para ser seu protetor, carrega essa palavra nas costas e ele profere no último episódio o que foi possível sentir no olhar de todos as outras pessoas: podíamos ter feito mais. O investigador tinha no próprio filho, que estudava na mesma escola, uma vítima de bullying. Os amigos sabiam o que ele pretendia fazer. Os vizinhos eram omissos com "as brincadeiras dos moleques". A irmã também passava por coisas parecidas. Os professores, atolados com centenas de problemas individuais, não conseguiam sequer entender o que se passava. Até mesmo um atendente aleatório da loja que eles frequentava tem participação nesse ciclo. Precisamos entender que somos sim responsáveis pelos adolescentes de uma comunidade. Em entender que essa omissão tem um custo caro, e não apenas quando cai em cenários hediondos como o apresentado.

Temos também toda uma discussão que não é tocada diretamente na narrativa mas que está intrinsicamente ligada a todos os acontecimentos que é o quão prejudicial as redes sociais podem ser para seres humanos, principalmente para adolescentes. Ainda quero escrever uma postagem exclusivamente sobre este tópico trazendo algumas referências que ando lendo sobre.

Sabe o que falei no começo sobre se sentir enrolado em algumas séries por ter mais episódios do que deveria? Aqui eu senti o completo oposto. Eu queria mais episódios. Queria saber o que aconteceu anos depois. O que aconteceu dias antes. O que estava acontecendo exatamente naquele momento em outros lugares. Mas entendo que a beleza mais profunda habita nos espaços que não tentamos preencher.

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