Notas de uma mente inquieta

Black Mirror - 7a temporada

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Eu reclamei esses dias que saí bem frustrado da sexta temporada de Black Mirror porque alguns episódios fugiram da essência proposta inicialmente. Acho que tem dois episódios ali que sequer são ficção científica, está mais para uma fantasia que envolve tecnologia. Discorri melhor sobre minha interpretação do cerne do que e uma obra de ficção científica na postagem do Mickey 7.

Com tudo isso ainda vivo na memória chegou a nova temporada de Black Mirror e eu gostei para caramba. Acho que Charlie Brooker e a Netflix tiveram que refletir sobre as expectativas dos espectadores sobre a obra e voltaram a origem.

Movimento este que fica bem claro já no primeiro episódio, Pessoas Comuns podia facilmente fazer parte ali da terceira temporada, a primeira da Netflix, onde temos esse movimento de americanizar os dilemas apresentados nesse mundo tecno-amargo. Eu achei a premissa excelente, daquelas que a gente manda um “Isso é muito blackmirror, mêu”, licenciar as memórias por assinatura é uma crítica muito pertinente para esse modelo de negócio que empurraram-nos goela abaixo, inclusive pela própria Netflix. Entendido essa mensagem o episódio fica até um pouco previsível, mas não tira a graça do que tem a seguir. Por ser tão contemporâneo fica até irônico em ficar analisando o que são “previsões” para o futuro, metáforas para tecnologias de hoje, e literalmente comportamentos atuais, como a auto-depreciação em troca de dinheiro nas redes sociais. Eu saí desse episódio com uma certeza de que em, sei lá, no máximo 50 anos, a gente vai tá consumindo publicidade nos nossos sonhos.

Já o segundo episódio vem numa pegada diferente de todos os outros episódios da temporada, e se bem me lembro da série como um todo. A tecnologia apresentada é irreal. É um tech-god-power pouquíssimo verossímil, mas que entrega o que propõe. A ideia do episódio é falar um pouco de uma tecnologia apresentada para proporcionar um terror psicológico contra uma bullinadora, e nesse aspecto até que se realiza. Eu que gosto de tentar advinhar qual a pegadinha fiquei "que porra é essa que tá rolando”. Achei o final meio non-sense e vai ser daqueles episódios completamente esquecíveis.

O terceiro episódio, da máquina de fazer cinema, é belíssimo. Tanto tecnicamente, com uma fotografia muito bem apresentada, o roteiro soube bem criar a tensão entre o mundo de fora e de dentro do filme, as atuações são muito boas - atuar que se está atuando sempre é um desafio - principalmente da atriz principal. Como simbolicamente, uma ode ao cinema clássico com pitadas de crítica ao uso de Inteligência artificial que está sendo usado em Hollywood atualmente.

A história do jogo que domina o mundo, o quarto episódio, foi o que eu menos gostei. Apesar de gostar dos episódios retro-futuristas da série, eu achei esse muito confuso, o personagem principal é raso. A ideia toda só faz sentido se os personagens do jogo de fato tem consciências mas não dá para comprar isso. O lance do mundo inteiro ser hackeado por um QRCode desenhado num papel é até boba e infantil.

Já o quinto episódio foi meu favorito. Quando li a sinopse não teve como não lembrar de Link Click, mas vai por caminhos bem diferentes. Que episódio bonito! Paul Giamatti e a Patsy Ferran atuam demais! E a história é memorável, tô ruminando suas nuances desde então e ainda me pego analisando um novo aspecto da mensagem. Começa com o personagem não lembrando de uma ex-namorada, não lembrando sequer do nome dela, e logo você entende o porquê. Ele passou 15 anos brigando para esquecer, um término ressentido por detalhes que vão sendo apresentados ao longo da narrativa e o dilema do episódio inteiro para lembrar. A maneira como o roteiro explora visualmente nosso subconsciente é muito massa, seja nos detalhes mínimos de pessoas borradas a exploração das memórias a partir da utilização de outros sentidos. Gostei muito das soluções técnicas usadas, a computação gráfica de gerar profundidade para as fotos é sublime. Por fim, todo o desenrolar de que a vida dele poderia ter sido completamente diferente se ele tivesse visto um papel no chão me pegou muito. Eu gosto muito de roteiros que exploram essa ideia de bifurcações da vida a partir de decisões simples e esse episódio entrou para minha lista de favoritos da vida.

O quinto episódio deveria ter sido posicionado como o último, deixar o encerramento da temporada com a continuação de uma história anterior não me pareceu uma decisão muito acertada. Na verdade, continuar uma história em Black Mirror já não curto muito, sempre me parece um pouco preguiçoso, e tira o brilho que uma história em aberto pode proporcionar. Dito isto, eu entrei não lembrando de muita coisa e o roteiro logo nos embarca no universo do episódio anterior rapidamente sem soar repetitivo, e convenhamos isso não é nada fácil. O antagonista é muito caricato que me fez torcer o nariz o episódio inteiro e o final, como eu esperava, tenta trazer uma conclusão feliz para uma história que já tinha sido encerrada de um jeito mais "Black Mirror”. A única coisa que achei interessante foi, algo que já tinha sido apresentado anteriormente, a ideia de clones digitais. Com Mickey 7 ainda na cabeça, tenho outra camada nessa compreensão da empatia por uma versão sua digital, e aí, sinceramente, não comprei muito não. Sei lá, uma cópia sua digital não é você, ela não impacta a sociedade diretamente, ela é uma IA com o seu rosto, dá pra ter empatia a ponto de arriscar sua própria vida?

Mas terminei a temporada feliz, acho que Black Mirror está de volta aos trilhos. Pensando sobre os episódios que mais gosto da série, a trama fala de um futuro, de exercícios mentais de dilemas tecnológicos que poderiam atormentar-nos em um futuro breve, como a realidade provou, muitos desses dilemas estão aqui conosco. Então, parece que Charlie Brooker não está mais preocupado com prenúncios do futuro com toques de realidade, ele deixou a sutileza de lado e partiu para focar no presente.

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