Cinema e o EU virtual
Eu adoro ir para o Cinema. Sempre foi um dos tempos de lazer que mais gosto por ser imersivo. Você, por um intervalo curto de tempo, fica isolado dos problemas do mundo real contemplando uma obra de arte multissensorial. Não apenas o aspecto tecnológico, de uma tela de mais qualidade, de um som de mais qualidade, mas também do aspecto sociológico onde, nós como sociedade, curtimos algo em coletivo.
Seja na emoção intensificada de ver o Capitão América segurando o martelo do Thor e todos gritarem em uníssono, ou como um filme de comédia fica muuuito mais engraçado com todos rindo juntos. Alguns poucos anos atrás também tinha o aspecto de acompanhar a novidade. Nos Vingadores 1, todos queriam ir assistir o filme na semana de estreia para poder participar das discussões, não pegar nenhum spoiler, etc. Então, o primeiro fim de semana de um filme pop era saber que teríamos uma sala de cinema lotada pra lidar. Lembro de chegar a comprar a pré-estreia de um filme com 1 mês de antecedência.
Mas sinto que este tempo passou. Com a massificação dos streamings, você consegue ter mais qualidade de som e imagem na sala de casa. Você também consegue assistir o filme do hype pagando bem mais barato que o ingresso do cinema e a pipoca. De repente, é possível trazer a experiência do cinema para dentro de casa.
Mas o inverso também aconteceu, trouxe-se o EU de casa para dentro do Cinema.
Desde a volta da pandemia, tem ficado comum vivenciar episódios de falta de bom-senso dentro das sessões. Ano passado, assistindo o Guerra-Civil o cara da poltrona da minha frente dormiu roncando extremamente alto. Na semana passada, quando assisti o Sonic 3, tinha um grupinho de adolescentes conversando como se estivessem na praça de alimentação, e ontem no Chico Bento o senhor da cadeira literalmente ao meu lado passou o filme inteiro no celular com o brilho no máximo. Já presenciei pessoas fazendo video-chamada, tirando fotos, respondendo whatsapp, etc.
Sabe aquilo da imersão que mencionei? Meio que morreu.
Recentemente assisti um vídeo falando sobre a virtualização do EU. De como as pessoas, após a pandemia, com sua vida sendo pautada por interações digitais, adotaram como figura principal o seu EU virtual, que precisa ser alimentado constantemente. Já refleti aqui sobre como as pessoas não conseguem mais sair da internet, e acho que este é o maior problema desta nova relação com o Cinema. As pessoas estão simplesmente incapazes de passar um período de 2 ou 3 horas sem se alimentar dessa luz emanada pelos dispositivos eletrônicos.
Também consigo imaginar uma relação com a ascensão do conteúdos de react pela internet. Todo mundo se achando o novo Casimiro que precisa comentar tudo o que está assistindo.
Não sei se essa reflexão é algo apenas pessoal ou regional.
Será se mais pessoas estão passando por isso?
Será se é algo temporário?
Será se mudar de Cinema ou procurar horários alternativos resolveria?
Ou talvez seja só eu ficando velho e recluso mesmo.