Notas de uma mente inquieta

Coringa: delírio a dois

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O primeiro filme do Coringa do Todd Phillips foi extremamente elogiado por subverter o gênero dos quadrinhos e apresentar uma nova "roupagem" para esta categoria que já está saturada da mesma fórmula.

Acho que o primeiro filme foi catártico.
O "e se" apresentado no enredo do primeiro é excepcionalmente convincente. Você enxerga as características basais do Coringa no Arthur Fleck apresentado pelo Joaquin Phoenix. Então, temos o sublime vilão já conhecido sob uma nova perspectiva.

Muito se fala que essa perspectiva se dá pela adultização da narrativa. De ter sido um filme +18, com violência explícita. Mas no meu entendimento, não se trata disto. Para o mundo dos quadrinhos isso não é nada novo, tampouco para as adaptações cinematográficas. O Coringa de Todd Phillips é crível. Ele é um humano comum, em um mundo ordinário, com uma vida fudida. Arthur Fleck poderia ser nosso vizinho, nosso colega de trabalho, ou com a dose certa de caos, poderia ser nós mesmos.

Acontece que, como já mencionei quando falei de What If, o problema dessas subversões de histórias clássicas está em manter a coerência nas consequências destas distorções, no efeito borboleta.

Então, diga-me você, como seria a continuação da história de Arthur Fleck, um ser-humano com doenças mentais, a base de drogas pesadas, preso com outros lunáticos?

Acredito piamente que Todd Phillips se fez esta mesma pergunta.
O segundo filme é muito coerente com o primeiro.
O Arthur Fleck criado nesta trama é um completo perdedor que foi empurrado ao seu extremo para a violência. Passada a fúria, desarmado, cercado de bulinadores, ele é inofensivo.

E, essa perspectiva, pra mim é um dos pontos altos dessa nova proposta. Na história clássica conhecida, Coringa tem a capacidade de fazer sua psiquiatra se apaixonar por ele a ponto dela enlouquecer em conjunto. Você acreditaria que isso seria possível com o Arthur Fleck de Joaquin Phoenix? O contrário é muito mais crível. Aquele incel solitário(redundância?) faria qualquer coisa, por qualquer um que lhe desse o mínimo de carinho. Junte isto a doses cavalares de tarja preta, ele se volta para dentro, um mundo imaginário onde tudo é colorido e musical.

Eu, particularmente, gosto da ideia do musical. Acho ousado, irreverente. Como argumentei acima, acho que se encaixa no mundo criado para o Coringa e Arlequina, esse Delírio a dois. Como refleti inicialmente, o objetivo desta nova versão do Coringa é a subversão. Existe limite para a transgressão? Mas também acho que foi usado em excesso. E isso fica bem claro na cena que mais gostei no filme que foi na interpretação de The Joker is Me! Encaixa-se muito bem a narrativa. Cumpre um propósito relevante para o andar da história. É cinematograficamente bonito a maneira como ele larga o microfone e o palco, recebe a violência da mão das pessoas que esperam isto dele, interpreta um papel na frente das câmeras até que cumpre seu desejo inicial, dar um fim ao seu sofrimento.

Não senti isto com as outras cenas cantadas. Mas posso dizer que elas são desnecessárias? Ou como ouvi algumas pessoas dizerem, o filme é desnecessário? A arte deveria ser necessária?

Necessária para o quê? Necessária para quem?

Gosto muito em como Chuck Palahniuk tratou disto no Clube da luta 2. Onde ele abusa de metalinguagens para mostrar que os espectadores interpretam, idealizam e desejam(violentamente) continuações que nunca foram concebidas pelos autores. A obra existe sem o autor? Poderiam estes espectadores se frustrarem com isso então? Poderia o autor devolver as críticas apenas com um "vocês que não entenderam"? Sobre esse tópico, recomendo este vídeo do Ora, Thiago. Não acho que foi isso que Todd Phillips fez. Acredito que ele responde a pergunta inicial trazendo um propósito a sua obra criada.

🚨 Área com spoilers 🚨

Eu acredito que o diretor entendeu o impacto do primeiro filme. Ele entendeu as nuances criadas na promoção de um lunático. Quando se cria uma história onde a premissa é a realidade, e você coloca uma pessoa comum como protagonista em um filme que ele luta contra o sistema matando pessoas, o impacto tende a ser negativo. O segundo filme toma controle da narrativa e suas consequências colocando um ponto final nesta visão distorcida.

No fim do filme, temos o Arthur Fleck sendo brutalmente assassinado por um psicopata piadista(joker).

O desejo do que poderia ser esmagado pela realidade do que a vida é.

#filmes #max #review