Notas de uma mente inquieta

Sobre (en)lutar

Esses dias, conversei com meu terapeuta sobre como não sei lidar com a morte. Como uma criança foge da própria sombra, corro deste tema e ele sempre me alcança. Narrei um evento da adolescência que sempre me recordo nesses momentos: chegando da escola minha mãe contou que a vó de um amigo muito próximo tinha falecido e que seria importante eu passar lá para confortá-lo. Eu, que apesar de até aquele momento, já havia perdido meus dois avós enquanto criança, pouco entendia sobre a morte. Pior, pouco entendia sobre o luto. Eu passei lá, estive lá, mas não soube como adentrar naqueles meandros para permitir, de qualquer maneira, aliviar aquela dor que tanto o afligia. Não sabia exatamente o que dizer. Eu sabia frases que eu já tinha ouvido que eram utilizadas para preencher aquele silêncio pesado: "Ela está em um lugar melhor", "Deus sabe de todas as coisas", "Agora ela está em paz" que quem me conhece minimamente sabe que eu não acredito. Contudo, o que eu acredito tampouco serve para ser utilizado nestes momentos tão delicados. Logo, não disse nada.

Pego-me pensando nesse silêncio até hoje.

Não deveria ser nada demais, certo? Muitas pessoas sabem acalentar através do tato. O abraço amigo aquece e preenche este vazio ocupando milhões de palavras. Mas eu não sou essa pessoa. Uso a palavra como espada e escudo nesta batalha da vida. Eu preciso saber manejar esta arma nesta luta contra o luto. Mas não consigo. Então, como eu poderia ter agido?

Em maio, viajei para Fortaleza de férias e conseguimos conciliar esta data no dia das mães justamente para reencontrar a minha avó, e dediquei um trecho do relato das férias para falar em como foi importante receber novamente este amor maternal estando ao seu lado. Ela já estava em tratamentos paliativos mas estava lúcida, feliz, amando e sendo amada.

No dia de hoje, escrevo este texto voltando do enterro da Vozinha. Morando a 3 mil quilômetros de distância, foi uma situação muito difícil acompanhar a saga dela lutando contra o fim e a batalha hercúlea que minha mãe e minhas tias lutaram na assistência dos cuidados necessários. Toda vez que tentei interagir minimamente a distância não permitiu. Não para mim, não por elas. Então, peguei um avião às pressas e, mais uma vez, fiz a única coisa que consegui: estive lá. Não apenas eu mas toda a família Samico se fez presente mais uma vez e fortalecemo-nos na comunhão.

E dessa vez, estando do outro lado, sob uma perspectiva completamente diferente, percebi que não é sobre agir. Ou tampouco falar. Talvez por isso viver o luto se conjuga no estar. Estou de luto, o verbo virou substantivo. Estou procurando não fugir inocentemente desta vez por isso aqui escrevo. Vozinha está comigo, está com minha mãe, está nas minhas tias e estará sempre em cada parte que compõe a minha família que tanto amo.

P.S: Muitos dias atrás também doeu e eu escrevi sobre viver. Hoje, escrevo sobre lutar.

#ensaios #familia